domingo, 30 de novembro de 2014

Sérgio Buarque de Holanda...por profª Alcilene Rodrigues

Quem  é?


Sergio Buarque de Holanda, nascido em São Paulo em 11 de julho de 1902 e faleceu em 24 de abril de 1982.
Foi um dos mais importantes pensadores brasileiros. Historiador, sociólogo, critico literário e jornalista, dedicou-se a estudar a sociedade brasileira a partir de sua história, deixando textos que são grandes clássicos no nosso pensamento social. Apesar de graduado em Direito, Sérgio Buarque  trabalhou grande parte de sua vida na imprensa e na academia. Viveu em diversos países e cidades, mas foi na Alemanha, e mais especificamente em Berlim (onde viveu entre 1929 e 1930), que sofreu grande guinada intelectual, passando investir mais intensamente numa interpretação sociológica do Brasil.
Em sua temporada na Alemanha, Sergio Buarque entrou em contato com a escola alemã de sociologia e identificou-se com a obra de Marx Weber, autor que desde então passou a exercer forte influencia sobre seu pensamento. Essa influencia pode ser facilmente percebida no livro que publicou logo após sua volta ao país, Raízes do Brasil (1936), em que analisa a colonização portuguesa e as conformações sociais que dela derivam.
Sergio Buarque de Holanda é ao lado de Gilberto Freire e Caio Prado Junior, um dos maiores interpretes do Brasil e um dos mais iminentes intelectuais do país. Teve Grande reconhecimento no exterior, e Raízes do Brasil foi traduzido para vários idiomas, entre eles inglês, espanhol, francês, italiano, alemão e japonês. Além desse trabalho, suas obras mais importantes são Monções (1945), Visão do paraíso (1959) e Do Império à República (1972). 

 Em 1936, obteve o cargo de professor assistente da Universidade do Distrito Federal. Neste mesmo ano, casou-se com Maria Amélia de Carvalho Cesário Alvim, com quem teria sete filhos: Sérgio, Álvaro, Maria do Carmo, além dos músicos Ana de Hollanda, Cristina Buarque, Miúcha e Chico Buarque. (foto ao lado do pai)

Civilizados ou cordiais?
Sergio Buarque de Holanda, figura sem dúvida, entre os maiores interpretes da nação. Seu livro Raízes do Brasil publicado pela primeira vez em 1936, propõe um estudo sociológico da história brasileira com o objetivo de identificar  nossas raízes sócio-culturais. Sérgio Buarque recua então, até os tempos coloniais e constrói um panorama histórico da nossa estrutura política, economica e social, influenciada pelo modelo portugues. Para o autor a estrutura social de Portugal era marcada por uma frouxidão organizacional " que levava a um padrão de convivencia ao mesmo tempo mais flexível e mais instável, e isso evidentemente, teve reflexos no Brasil. Em raízes do Brasil, Sergio Buarque desenvolve uma idéia em torno da qual constrói sua interpretação sociologica: a do "homem cordial". Este seria o brasileiro tipico, fruto da colonização portuguesa e representante conceitual de nossa sociedade. Acontece que como a palavra "cordial" na linguagem comum tem o sentido de afável, afetuoso, a idéia do "homem cordial"ficou associada à concepção do brasileiro como gentil, hospitaleiro, pacifíco. E Sergio Buarque foi críticado por essa maneira de ver os brasileiros. Era uma forma idealizada que não correspondia às atitudes mais corriqueiras percebidas no convivio social. A polemica indica que é preciso examinar mais de perto o sentido da expressão escolhida pelo autor: porque "cordial"?
"Cordial" provém da palavra latina cordialis, que significa "relativo ao coração". Sergio Buarque usa a expressão "homem cordial" para indicar um tipo de sujeito que age de acordo com um fundo emotivo transbordante, ou seja, com o coração, movido pela emoção. No lugar da formalidade, do respeito a leis universais, o homem cordial se vale da espontaneidade e aposta na lógica dos favores.
É, assim, o exato oposto do homem que orienta pelos códigos das boas maneiras e da civilidade, feitos para controlar e conter as emoções em nome de rituais e regras de convívio social. Por essa razão começamos com a referencia a Nobert Elias. Ele foi o sociologo que dedicou grande parte de seu investimento intelectual a compreender o papel sociológico das condutas, dos códigos de comportamento, daquilo que denominou "processo civilizador".
A cordialidade, tal como entendida por Sergio Buarque, sugere aversão à impessoalidade. Nós, brasileiros, estariamos sempre buscando estabelecer intimidade, pondo os laços pessoais e os sentimentos como intermediários das nossas relações. Estamos acostumados a "fazer amizade", "contar vida", "pedir conselhos" a pessoas nunca vimos antes enquanto aguardamos na fila do banco ou do supermecado. Não por acaso, estranhamos os que vemos como formalidade excessivas por parte de outros povos como os europeus. Achamos muito estranho quando um ingles recusa um abraço apertado como sinal de gratidão ou quando um sueco que acabamos de conhecer se constrange diante de perguntas sobre sua vida pessoal.
A cordialidade pode vir travestida de uma polidez aparente superficial, que muitas vezes se apresenta como simpatia. De fato, a "simpatia brasileira" chega a ser uma "mercadoria" de grande valor no mercado turístico internacional. Daí derivam outros traços de estereótipos dop brasileiro, como a generosidade, a alegria e a hospitalidade. Nosso "valor" , nossa receptividade são usados como mecanismo de aproximação, de criação de intimidade e de quebra da impessoalidade.
Exemplos da nossa "cordialidade"? Sergio Buarque nos oferece uma longa lista. Ele destaca nossa mania de utilizar diminutivos (inho), como meio de familiarização com pessoas e coisas. Para tornar a espera menos aborrecida pedimos que nosso interlocutor aguarde "cinco minutinhos", se alguém nos pede "um favorzinho",, por maior que este seja, tendemos a atender de melhor agrado. Esse emprego recorrente do diminutivo, assim como nossa aversão ao emprego dos verbos no modo imperativo ( em geral substituímos o" faça " por um "será que daria para voce fazer"), chama a atenção dos estrangeiros que entram em contato com a língua portuguesa tal como falada no Brasil. Mas Sergio Buarque desce a detalhes curiosos. Destaca ainda, a tendencia brasileira à omissão do nome de família (sobrenome) no tratamento social. Enquanto nos EUA a professora do ensino fundamental é chamada por seus pequenos alunos de Mrs Smith, aqui ela é tia Maria.
No campo religioso, essa informalidade também se faz presente. Segundo Sergio Buarque, tratamos "os santos com uma intimidade quase desrespeitosa". Assim, Santo Antonio, quando não arranja o noivo que a moça tanto pediu, tem sua imagem virada de cabeça para baixo.
Quando São Benedito não atende as preces dos fiéis, corre o risco de ficar sem sua xícara de café, em geral posta ao lado de sua imagem toda as manhãs.
Podemos concluir, assim, que o "homem cordial", caracteriza-se fundamentalmente pela rejeição da distancia e do formalismo nas relações sociais. 
Mas o caso brasileiro tem outra caracteristica: as atitudes e principios vigentes no universo íntimo da família acabaram por transbordar para a esfera pública. A consequência desse transbordamento é outro tema que aparece cotidianamente na imprensa e nos textos academicos. Os públicos tratam os assuntos públicos como se fossem assuntos privados, fazendo com que o Estado se torne mais pessoal e menos burocratico. É nesse sentido que Sergio Buarque de Holanda sugere a classificação do Estado brasileiro como "patrimonial " numa clara alusão feita por Max Weber entre burocracia e patrimonialismo. Vamos entender melhor essa diferença.
Para Max Weber, a burocracia representava um aparato indispensável para o funcionamento da "máquina administrativa do Estado. Numa sociedade onde impera a lógica legal-burocratica, o Estado é regído pela impessoalidade, pelo formalismo, pela previsibilidade e pela universalidade dos critérios. Numa sociedade organizada segundo a lógica patrimonial, ao contrário, os homens públicos atuam na esfera doméstica. Em vez de critérios universais e objetivos, levam em consideração os laços sentimentais e familiares. Os jornais noticiam com muita frequência aquilo que os cientistas sociais há mais tempo apontam como problemas a serem enfretados na vida política brasileira: a prática da nomeação de servidores públicos por critérios familiares, e não por critérios universais por concurso, por exemplo. Ainda hoje lutamos contra a pratica de nepotismo na distribuição dos cargos públicos. Sergio Buarque diria que isso acontece porque, onde deveriam reinar os principios da racionalidade e da impessoalidade, acabaram por imperar critérios caros à cordialidade e a lógica dos favores. Há um ditado popular: " quem tem padrinho não morre pagão". Quem tem um protetor consegue um lugar independentemente do seu mérito profissional, sua capacidade comprovada, seu sucesso na competição com outros candidatos.
Vemos, portanto que o conceito de homem cordial se presta à compreensão de uma sociedade marcada por uma confusão, por uma diferenciação precária entre o que é público e o que é privado. O homem cordial, tipo ideal de brasileiro e produto sociológico de nossa história é o simbolo dessa confusão público/privado, o representante de uma sociedade baseada no personalismo e patrimonialismo.
Ao contrario do que pode sugerir o sentido mais comum da expressão, o conceito de homem cordial representa um traço problemático de nossa nacionalidade. Ao escolhermos o personalismo em detrimento das regras, acabamos por ferir os princípios da horizontalidade e da igualdade, tão caros ao desenvolvimento da cidadania e da democracia.
O patrimonialismo impede, segundo Sergio Buarque, a consolidação de um Estado propriamente moderno e eficaz porque opera na lógica do "meus amigos em primeiro lugar". Na sociedade do homem cordial, em que o espaço público é tomado como um prologamento do espaço privado, fenômeno como o coronelismo, apadrinhamento, o jeitinho e a corrupção põem os interesses pessoais  acima do bem comum.
Sergio Buarque de Holanda acreditava que a cordialidade seria superada com o avanço da urbanização, que levaria ao progressivo desenvolvimento da impessoalidade na vida pública. A urbanização e a industrialização, seriam um golpe fatal nas relações calcadas na cordialidade, fazendo com que esse traço histórico- cultural ficasse esquecido num passado de arcaísmo e ruralismo. Pensemos sobre o Brasil de hoje. Podemos dizer que o oposto de Sergio Buarque se cumpriu?




 Ainda em 1936, publicou o ensaio “Raízes do Brasil”, que foi seu primeiro trabalho de grande fôlego e que, ainda hoje, é o seu escrito mais conhecido.





 

  “A mudança de opiniões é num pensador o sinal mais evidente de sua vitalidade. Só os imbecis têm opiniões eternamente fixas.”....Sérgio Buarque de Holanda  



 
                
 Testando seus conhecimentos:
1- leia o texto abaixo. Em seguida responda as questões propostas apoiando-se nas informações contidas no capítulo sobre a interpretação da sociedade brasileira de Sergio Buarque de Holanda. " Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade, daremos ao mundo o "homem cordial". A fineza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes são gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam com efeito um traço do caráter brasileiro (...). Seria engano supor que essas virtudes possam significar "boas maneiras", civilidade. São antes de tudo expressões legítimas de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante. Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil 1936,.
a) Em torno de que ideia Sergio Buarque de Holanda constrói sua interpretação sociológica do Brasil? Explique
b) Porque a lógica do "homem cordial" é oposta à lógica da civilidade? Como Sérgio Buarque de Holanda, chama essa lógica?
c) Sergio Buarque de Holanda apostava que a civilização afastaria a sociedade brasileira da lógica patrimonialista e o levaria em direção a uma lógica burocrática, portanto mais formal e universal. Reflita sobre o argumento do autor e em seguida escreva sua opinião a esse respeito.